No caminho para os EUA, migrantes enfrentam um labirinto jurídico
"Ignoramos o que está acontecendo", diz o venezuelano Michel, em Ciudad Juárez, no norte do México, onde milhares de migrantes como ele permanecem presos em um emaranhado de passos legais para poderem cruzar para os Estados Unidos.
A confusão cresce a algumas horas de o governo do democrata Joe Biden levantar o "Título 42". Essa norma foi adotada por seu antecessor Donald Trump para evitar a propagação da covid-19, mas, na prática, serviu para expulsar quase todos os migrantes que chegaram em situação clandestina aos Estados Unidos.
O que vai acontecer depois de sexta-feira? É o que se perguntam Michel e muitos outros migrantes em um acampamento a cerca de 300 metros do muro fronteiriço e do Rio Grande, que separa os dois países.
Título 8, Centros Regionais de Processamento, CBP One, cotas de migrantes, reagrupamento familiar, asilo, refúgio.
Ampliado, ante o fim da Título 42, o repertório legal para entrar nos Estados Unidos é de difícil compreensão para esses migrantes. E, muitas vezes, sequer existe a opção de retorno, depois de terem vendido todos os seus pertences para pagar "coiotes" (traficantes de pessoas) que prometem ajudá-los a atravessar a fronteira.
Uma coisa parece clara para a maioria: a advertência de que, com a política "Título 8", não haverá apenas expulsões para o México, mas também um aumento significativo de deportações, a proibição de entrada de infratores por um período de cinco anos e processos criminais para reincidentes.
- Drama kafkaniano -
Michel, um pedreiro de 35 anos que prefere não dizer seu sobrenome, chegou a Ciudad Juárez há um mês, após superar a perigosa selva do Darién, entre Colômbia e Panamá, e as exigências legais do governo mexicano.
Em seu acampamento, foi erguido um altar em memória das 40 pessoas mortas em um incêndio, em 27 de março, de um centro de detenção de migrantes em Ciudad Juárez. Sete de seus compatriotas estão entre as vítimas.
“Estão dificultando as coisas", afirma Michel, após mais uma tentativa frustrada de marcar uma consulta para pedir refúgio, por meio do aplicativo móvel CBP One, habilitado pelo governo dos Estados Unidos e que fica ativo apenas meia hora por dia.
Durante uma visita ao abrigo, a AFP constatou que o aplicativo para, repentinamente, em qualquer uma de suas etapas.
Para sustentar sua família e juntar os cinco dólares (R$ 24,75, na cotação atual) de que necessita, diariamente, para fazer recargas de Internet, Michel deve deixar o acampamento em busca de "bicos", enquanto sua esposa tenta agendar um horário.
"Às vezes, você tem que se humilhar por um pouco de dinheiro para que elas possam ficar bem", desabafa.
Mas, como em um drama kafkaniano de absurdo e aflição, Michel teme que o aplicativo volte a funcionar na sua ausência e ele não consiga escanear seu rosto, uma exigência do processo.
Os Estados Unidos anunciaram que, a partir de sexta-feira (12), o aplicativo CBP One dará 1.000 consultas diárias. Desde outubro passado, porém, a polícia de fronteira registrou 1,2 milhão de interceptações de migrantes em sua fronteira sul, um fluxo "sem precedentes".
- Violação do direito de asilo -
Gloria, uma guatemalteca de 56 anos que também prefere ser identificada apenas pelo nome, não entende a diferença entre refúgio e asilo. Ela está apenas tentando se proteger das ameaças de seu ex-companheiro.
E não baixou o aplicativo.
"Dizem que você precisa de um patrocinador nos Estados Unidos, e eu não tenho", afirma, sem saber que essa exigência se aplica, na verdade, a cidadãos de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela, em um programa pelo qual cerca de 95.000 viagens aéreas foram autorizadas, de acordo com dados oficiais.
Recentemente, a Anistia Internacional denunciou que o uso obrigatório do CBP One viola o direito de asilo, pois limita seu acesso a pessoas alfabetizadas e que tenham um celular com Internet.
A confusão gerada por esta situação leva alguns migrantes a atravessarem o Rio Grande para se apresentarem à Patrulha de Fronteira e pedirem asilo.
H.Rathmann--HHA