México aprova eleição popular de juízes, caso único no mundo
O México adotou nesta quarta-feira (11) a eleição popular de todos os seus juízes, um caso único no mundo, após a aprovação de uma reforma apresentada pelo presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador que, segundo os críticos, acaba com a independência judicial.
Depois de um dia caótico que incluiu a invasão do Senado por funcionários do Judiciário em greve e estudantes, a Câmara Alta aprovou a emenda constitucional com 86 votos a favor e 41 contra.
"Está aprovado de modo geral o projeto de reforma do Poder Judiciário", anunciou o presidente do Senado, Gerardo Fernández Noroña, que, devido à pressão dos manifestantes, foi obrigado a transferir a sessão para a antiga sede da Câmara Alta.
López Obrador propôs a reforma constitucional no contexto de um confronto com a Suprema Corte, que bloqueou reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controle militar.
O mandatário, que entregará o poder à sua correligionária Claudia Sheinbaum em 1º de outubro e conta com 70% de popularidade, acusa o tribunal máximo e alguns juízes de estarem a serviço das elites, da corrupção e do crime organizado, mas seus adversários afirmam que, na verdade, ele pretende eliminar a independência do Judiciário para instaurar um regime autoritário e perpetuar seu partido no poder.
A emenda também é criticada pelos Estados Unidos e pelo Canadá, que alegam que ela prejudicaria o acordo comercial T-MEC, no momento em que o México se consolida como principal parceiro comercial de seu vizinho do norte.
Washington também alerta que o voto direto deixaria os juízes à mercê dos cartéis do narcotráfico, que já influenciam as campanhas políticas.
Após a aprovação da iniciativa, os atuais ministros da Suprema Corte, juízes e magistrados (cerca de 1.600) poderão se candidatar em eleições em 2025 e 2027. Caso contrário, permaneceriam em seus cargos até que os eleitos assumam suas funções.
- Caso único -
A reforma também é criticada por especialistas das Nações Unidas e por organizações como a Human Rights Watch. Ela coloca o México "em uma posição única em termos do método de eleição de juízes", apontou Margaret Satterthwaite, relatora da ONU sobre a independência de juízes e advogados.
O outro caso semelhante na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados das altas cortes são eleitos por voto popular, enquanto os juízes ordinários são designados por um conselho da magistratura.
Porém, a independência dos magistrados eleitos foi colocada em xeque em meio à disputa entre o presidente Luis Arce e seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).
"O que mais preocupa aqueles que são contra essa reforma é que perderão seus privilégios, porque o poder judiciário está a serviço de poderosos (...), do crime de colarinho branco", declarou López Obrador na terça-feira.
Às vésperas do debate, a presidente da Suprema Corte, Norma Piña, equiparou a emenda a uma tentativa de "demolição do Judiciário".
Após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, a reforma deve ser corroborada por 17 das 32 assembleias estaduais, o que é considerado garantido devido ao amplo domínio da esquerda. Em seguida, a reforma será promulgada pela presidência.
- "Ditadura" -
O partido governista obteve o apoio que faltava graças ao senador Miguel Ángel Yunes, do partido conservador PAN, que disse que estava doente, mas compareceu para votar. "Traidor", gritaram os integrantes de sua legenda.
Os partidos da oposição, que haviam prometido votar em bloco, denunciaram a pressão do partido do governo e até a ausência suspeita de um senador de centro.
O presidente do Senado, por sua vez, afirmou que a invasão foi uma "tentativa de golpe" contra o Legislativo e culpou a oposição por facilitar a entrada dos manifestantes.
Os manifestantes seguiram para as imediações da sede alternativa do Senado, onde gritaram frases como "senhor Senador, pare o ditador!", em referência a López Obrador, autor do projeto. Também brigaram com a polícia.
Para o advogado José Cordero, que viajou de Veracruz para protestar na capital, com a reforma está sendo "instaurada uma ditadura". "Os advogados dependem de um sistema de justiça autônomo", disse.
Entre as mudanças provocadas pela reforma, a figura dos "juízes sem rosto" para combater o crime organizado preocupa Ana Paola Morales, estudante de relações internacionais, de 23 anos, pois viola o "direito de saber quem está te julgando e por quais acusações".
López Obrador insiste que o voto aproximará a justiça do povo neste país, onde são registrados cerca de 80 homicídios por dia e a impunidade supera 90%, segundo ONGs.
P.Garcia--HHA