Canal do Panamá, na mira de Trump, comemora 25 anos em mãos panamenhas
O Canal do Panamá comemora nesta terça-feira (31) 25 anos sob administração panamenha, um aniversário marcado pela morte do ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, que assinou os tratados que permitiram sua transferência, e pelas ameaças de Donald Trump de recuperá-lo.
O republicano, que retornará à Casa Branca em janeiro, gerou indignação entre os panamenhos ao afirmar que seu país deveria recuperar o controle do canal, entregue ao Panamá em 31 de dezembro de 1999, caso as tarifas dos pedágios para os navios americanos não sejam reduzidas.
"Não há nada que una tanto os panamenhos quanto a defesa do canal. Mas ter uma relação tensa com a superpotência, principal parceira comercial e principal usuária do canal, é uma situação muito desvantajosa para um país como o Panamá", explicou a cientista política Sabrina Bacal à AFP.
Para Francisco Cedeño, um designer gráfico de 51 anos, "as intimidações de Trump não têm pé nem cabeça". "Ele deveria primeiro resolver os problemas que seu país tem de sobra e esquecer o canal", disse à AFP.
- "O povo não se beneficia" -
Essa via interoceânica, por onde passa 5% do comércio marítimo mundial, contribui com 6% do PIB do Panamá e 20% das receitas fiscais.
Desde 2000, gerou para o tesouro panamenho cerca de 28 bilhões de dólares, muito mais do que nos 85 anos de administração americana (1,87 bilhão).
No entanto, muitos panamenhos não se sentem beneficiados pelo canal.
"Não deveríamos estar tão pobres como estamos, porque o canal gera muito dinheiro", declarou à AFP Clotilde Sánchez, de 55 anos, faxineira em um prédio futurista em forma de parafuso na zona bancária da capital.
"O povo não se beneficia com o canal, apenas os políticos se beneficiam", concorda sua colega Nadili Pérez, de 40 anos.
Segundo Bacal, "esse sentimento de não perceber os benefícios do canal existe há anos, mas a realidade é que o canal é a principal fonte de riqueza dos panamenhos".
- Cerimônia e marcha -
A rota marítima de 80 quilômetros construída pelos Estados Unidos foi inaugurada em 1914. Washington estabeleceu um enclave onde a bandeira americana era hasteada, com bases militares, polícia e justiça próprias.
Isso deu origem a décadas de reivindicações dos panamenhos para tomar o controle da via e reunificar o país.
O aniversário da transferência será comemorado na terça-feira com uma cerimônia liderada pelo presidente panamenho, José Raúl Mulino, e pelo administrador do Canal, Ricaurte Vásquez.
Além disso, está programada uma marcha em homenagem a cerca de 20 panamenhos mortos em 1964, após estudantes tentarem hastear uma bandeira panamenha na antiga área do Canal, na época um enclave dos EUA.
- "Era de subsmissão" -
O então presidente americano Jimmy Carter, que morreu no domingo aos 100 anos, e o líder nacionalista panamenho Omar Torrijos assinaram em 1977, em Washington, os tratados de entrega do canal, na presença de líderes latino-americanos.
“O canal é nosso, é o símbolo de identidade e soberania; recuperá-lo convocou e ainda convoca as maiores demonstrações de solidariedade dos povos da América Latina", disse à AFP o ex-presidente Martín Torrijos (2004-2009), filho do general que chegou ao poder em 1968 após um golpe de Estado e faleceu em 1981.
De acordo com ele, “os tratados Torrijos-Carter colocaram um fim a uma era de submissão, iniciando um período de independência e dignidade”.
“Qualquer tentativa de retroceder ou violar nossa soberania receberá a condenação e o repúdio de todos os panamenhos", garantiu.
- "Tarifas ridículas" -
O presidente Mulino declarou que "o canal é do Panamá e dos panamenhos", e por isso não discutirá o assunto com Trump.
Mulino também destacou o papel crucial de Carter (1977-1981) na entrega da passagem marítima, o que permitiu ao Panamá recuperar "a plena soberania" sobre seu território.
Trump justifica seu desejo de recuperar o canal alegando que as tarifas cobradas dos navios americanos são "ridículas". "Essa completa fraude contra nosso país vai acabar imediatamente", advertiu.
O republicano também acusou a China de interferir na rota interoceânica, que liga o Pacífico ao Atlântico. Chegou até a afirmar que havia soldados chineses operando ilegalmente a via.
"Não há soldados chineses no canal, pelo amor de Deus", respondeu Mulino.
Os Estados Unidos, com 74% da carga, e a China, com 21%, são os principais usuários do canal. O valor dos pedágios é determinado pela capacidade e carga do navio, não pelo país de origem.
J.Berger--HHA